A CHAMA DESVANECIDA


Era a primeira noite de Chanucá. Do lado de fora, uma tempestade de neve assolava a região, mas no interior da casa havia tranquilidade e calor. O Rebe, Rabino Baruch de Mezhibuz, neto do Baal Shem Tov, estava parado diante da chanuquiá, rodeado por um grupo dos seus chassidim.
Recitando as bênçãos com grande devoção, acendeu a vela única, colocou o shamash, a vela auxiliar, no lugar apropriado, e começou a cantar Hanerot Halalu. O seu rosto irradiava santidade e júbilo; os chassidim, extasiados, tinham o olhar fixo no mestre.
A chama da vela ardia com vigor. O Rebe e seus chassidim, sentados ao lado, cantavam Maoz Tsur e outras melodias de Chanucá. De repente, a vela começa a tremeluzir e a saltar, descontrolada, apesar de não haver, na casa fechada, nenhuma corrente de ar. Era como se a chama estivesse dançando, animadamente. Ou se debatendo. E, de repente, desapareceu!
Não que se tivesse apagado pois não havia fumo; simplesmente se desvanecera. Era como se tivesse voado para outra parte. O Rebe parecia perdido, absorto nos seus pensamentos. O seu assistente quis reacender o pavio, no que foi impedido pelo mestre.
Fez um sinal para que os chassidim continuassem a cantar. Várias vezes, entre as melodias, o Rebe comentava trechos da Torá. A noite passou, muito agradável, e os chassidim que lá estavam esqueceram-se, por completo, da vela de Chanucá desaparecida.
Já era quase meia-noite, quando a tranquilidade foi bruscamente interrompida pelo som áspero das rodas de uma carruagem rangendo contra o gelo da neve endurecida. A porta da casa abriu-se, num rompante, fazendo surgir um chassid que vinha de um vilarejo distante. A sua entrada foi um choque. As suas vestes estavam rasgadas e sujas, o seu rosto inchado e sangrando. Mas, apesar do contraste gritante com a sua aparência física, os seus olhos brilhavam e as suas feições resplandeciam de júbilo.
 
Sentou-se à mesa e, com todos os olhos cravados nele, começou a falar, com grande excitação. “Não é a primeira vez que venho a Mezhibuz pelo caminho da floresta e conheço muito bem o trajeto. Mas, esta semana, houve uma grande nevasca e isto retardou a minha viagem. Comecei a me preocupar que não chegaria aqui a tempo de desfrutar da companhia do Rebe na primeira noite de Chanucá. Este pensamento me perturbou a tal ponto que não esperei que a tempestade cedesse, continuando a jornada, dia e noite, na esperança de chegar a meu destino a tempo.
 
“A ideia foi tola, tenho que admitir, mas quando me dei conta, já era tarde. Ontem à noite, deparei-me com um bando de ladrões que ficaram felizes de me encontrar. Imaginavam que se eu estava em viagem com aquele tempo, à noite, sozinho, certamente era um rico comerciante cujos negócios não poderiam tolerar nenhum atraso. Obrigaram-me a lhes entregar todo o meu dinheiro.
Tentei explicar-lhes as minhas razões, implorando-lhes, mas eles recusaram terminantemente a acreditar que eu não tinha dinheiro. Agarraram as rédeas do meu cavalo e saltaram sobre a carroça. Aboletaram-se a meu lado, mantendo-me sob sua mira, e dirigiram a carroça até ao acampamento do chefe do bando para lá decidir a minha sorte.
Enquanto esperavam pelo chefe, questionaram-me e me perscrutaram, com riqueza de detalhes, revistando a carroça e a minha pessoa. Espancaram-me, na tentativa de arrancar o segredo acerca do meu dinheiro. Só tinha para lhes contar a verdade e esta eles não estavam preparados para aceitar.
 
Após horas daquela tortura, eles me amarraram e me atiraram, ferido e exausto, num porão escuro. Os meus ferimentos sangravam e todo o meu corpo ardia de dor. Lá fiquei até à noite, quando o chefe dos bandidos veio ter comigo.
 
Tentei, da melhor forma possível, descrever-lhe a grande alegria de estar na presença do Rebe e de como era importante, para mim, chegar à sua casa antes que se iniciasse a festividade. E tamanha importância justificava o risco que eu correra por viajar à noite, em meio à tempestade.
 
Ao que parece, as minhas palavras o impressionaram. Ou então ele foi persuadido pela minha determinação inabalável, ainda que sob tortura. Não importa o motivo, mas dou graças a D”us por ele ter-me livrado das algemas, dizendo”:
“Vejo que a tua fé em D”us é forte e que o teu desejo de estar com o seu Rebe é genuíno e intenso. Mas agora veremos se isto é verdade. Vou libertá-lo, mas fique sabendo que o caminho é extremamente perigoso. Mesmo os mais resistentes não se expõem a atravessar a floresta, sozinhos, fazendo-o apenas em grupo, e muito menos numa noite de tempestade. Vá embora e tente a sua sorte. E lhe prometo: se você conseguir cruzar a floresta nestas condições terríveis e chegar do outro lado a salvo, sem ser molestado pelas bestas ferozes e outros perigos, acabarei com o meu bando e mudarei completamente o meu comportamento e meus hábitos:
Se conseguir sair dos limites da cidade, jogue o seu lenço na vala à beira da estrada, atrás da placa de sinalização. Um dos meus homens estará esperando. Assim saberei se você o conseguiu”.
 
“Foi aí que o terror voltou a se apossar de mim. As agruras pelas quais eu passara já se tinham cicatrizado, em minha alma. E, agora, pesadelos ainda mais negros me assaltavam. Mas quando pensei na maravilha que seria estar com o Rebe à luz da chanuquiá, afastei do meu espírito todas as apreensões. Não tinha mais nenhum minuto a perder. Devolveram-me o meu cavalo e a carroça e me pus a caminho:
Estava um breu, do lado de fora. Ouvia perfeitamente os sons dos animais da floresta, que pareciam estar muito próximos. Temi estar cercado por um bando de lobos.
Agachando-me próximo ao pescoço do cavalo, com a espora instiguei-o a andar. Ele se recusava a adentrar naquela escuridão total. Chicoteei-o. O animal nem se moveu.

Não sabia mais o que fazer. Naquele momento, surgiu uma luzinha tremeluzente diante da carroça. O cavalo adiantou-se em sua direção. A luz avançava; o cavalo, seguindo-a. E durante todo o caminho, os animais ferozes fugiam de nós, como se aquela chama minúscula e dançante os estivesse afastando.
 
Seguimos a chama até chegar aqui. Cumpri a minha parte do trato e atirei o lenço no local indicado. Quem sabe? Talvez aqueles bandidos cruéis mudassem seu comportamento, tudo por mérito daquela pequenina luz”.
Foi aí que os chassidim perceberam que a luz de Chanucá havia retornado ao seu lugar. E lá estava, ardendo no lindo candelabro, com uma chama forte e pura, como se tivesse sido acesa há pouco.
 
Nota biográfica:
 O Rabino Baruch nasceu em 1753, em Mezhibuz, a cidade de onde o seu ilustre avô, o Baal Shem Tov, conduziu o Movimento do Chassidismo, por ele fundado. O Rabino era filho de Adele, filha do Baal Shem Tov e do Rabino Yechiel Ashkenazi. Ele foi um dos rabinos mais proeminentes na geração de discípulos do Maguid de Mezritch e teve milhares de chassidim como seus seguidores.
 
Bibliografia:
 Recontado pelo Rabino Yrachmiel Tilles, na Sichat Ha-Shavua nº 53, publicada pela organização ASCENT, de Safed, em Israel.
 (Tradução: L. Wachsmann)
 
Fonte: Revista Morashá – Edição 39 – Dezembro de 2002

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